sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Meia dúzia de caramujos

- Où y a-t-il ici une discothèque? - Monsieur! - Porquoi? Porquoi? Ah! Ah! Ah! - J'aimerais un diverstissement. - Venha. Entre rápido, antes que ela veja. Anda, Magra. - Calma, já estou indo! Já disse que não consigo correr com esses sapatos... - Fale baixo. Aqui, no balcão... O que você quer beber? - Nada... Não: uma cerveja. - Diverstissement! Diverstissement! U-la-la! - Deux bières, s'il vous plaît! - O que você acha que pode acontecer, Magra? É só ficar na sua que tudo vai sair bem. Já disse que vou resolver... Você precisa ter calma. Agora me conte: o que você fez com os caramujos? - Monsieur! - Yes, yes... - Merci. - Temos que ir embora de uma vez, Carlos. Vou hoje, mesmo. Eu juro! Não quero ficar mais um minuto, aqui. Pô, em Paris! E você me prometeu que teríamos uma semana tranqüila, depois de tanto tempo sozinha... Mas, como ela descobriu? Você só pode ter deixado algum furo, Carlos, lá em Goiânia. - Magra.. Quero saber dos caramujos. Se ela veio até aqui é porque descobriu. Onde estão os caramujos!? - Place Saint-John Perse, Les Halles, u-la-la. - Estão lá em cima, na mala, em cima da cama. - Tá louca? - Ia dar um jeito nisso agorinha mesmo, quando ela chegou. - Merda! - Eu estava esperando você que, pra variar, não aparecia nunca. Onde é que andava? - Estava dando uns telefonemas pra ver se resolvo tudo junto... Agora vai ter que ser assim mesmo... - Pois eu fiquei de saco cheio de esperar lá em cima e resolvi dar uma descida. Foi minha sorte. Olho pro balcão e tá lá ela. - Certo que ela não te viu? - Où sommes-nous? Où sommes-nous? - Não, não me viu. Perguntou pelo seu quarto, para o rapaz do balcão que, sem entender, tentava, acalmá-la. Minha sorte é que aquela língua conhecida me chamou a atenção. - Quel? - Ahm, Heineken. - Oui. - E o que ela falou? - Não sei direito. Voltei pra perto do elevador e fiquei lá. Ouvi ela perguntar pelo seu nome. Chamou você de ladrão, de picareta. E eu de vagabunda... Fiquei uns bons cinco minutos esperando ali depois de ela sair... Mas, como é que ela descobriu que vínhamos para cá e justamente para este hotel? - Eu... disse que estaria em Paris pra uma feira de couro e calçado, que realmente está acontecendo aqui perto. Ela deve ter descoberto e procurou o endereço com o pessoal do escritório... Só pode ser isso. - Carlos. Escute aqui: quando é que nós vamos poder cair fora, hem? Até quando eu vou ter que me esconder? Há dois anos! Nunca que vai resolver isso... Eu não quero mais saber desta situação... - Magra. Agora, com mais essa leva de caramujos, vou poder resolver tudo. Calma. Só que ela não podia ter descoberto. Não agora! - Olha, já decidiu como vai ser? O Daniel? - É! O Daniel. Pensei melhor, enquanto esperava você chegar... Mas vamos ter que dar uma parte da grana pra que ele não abra a boca... Quis quase 40% de tudo. Ofereci 30%. Fechamos em 35%. - 35%!? Um punhado de caramujos! - Mas se não for ele, ele nos entrega, é claro. Já sabe das outras... Então, amanhã à tarde, às 15h, o Daniel vai até o quarto da Silvia. Aparentemente será um ladrão, que vai matá-la para roubar dois caramujos... - Idiots. - Oui. - Eu quero a sua mulher morta, Carlos. Não importa como... E logo... Eu quero viver em paz com você, só isso. - Tróis bière, sil vous plaît. - Deixa comigo. Por dois caramujos... Então, ela também veio atrás dos caramujos! Aqueles lindos caramujos vermelhos e brilhantes... - Do you have red vine, monsieur? - Crôque madame, please. - Carlos... Tem certeza que ninguém está entendendo o que estamos conversando? - Não se preocupe, muito dificilmente alguém aqui entende português. Fica fria. Quanto ao hotel... Vou ter que ver outro. Dou um jeito nas suas coisas e, paciência, o que podemos fazer? Despacho as malas pra Zurique... Amanhã, quando tudo estiver acertado, eu vou atrás. - Deux bière, monsieur. - Sim, mas cuidado com os caramujos. - Deixa... Tranqüila... ...comigo... Do que adiantou todos esses anos como uma sovina?... ...sem gastar aquilo tudo... ...matá-la. - Você viu, Carlos, este cara aqui no balcão? - Quem? - Aqui. A toda hora ele parece olhar pra gente. Estou com medo... Meu Deus, chegou a me dar um arrepio. Será que não está entendendo o que a gente fala? O jeito que nos olha... Parece até que vai dizer alguma coisa a qualquer momento. - Deixe disso, Magra. Ele... ...na dele, fumando, bebendo.... chopinho. Em todos os casos, vamos embora... Paguei minha conta e levantei-me a tempo de vê-la saindo. O vento esvoaçou seus cabelos pretos, lindos, quando o garçom escancarou a porta. Através do vidro, vi o homem fazer sinal para um táxi e beijá-la rápido, com lábios que pareciam moles de preocupação. Ela acomodou-se no carro e puxou o casaco antes de fechar a porta. Quando deu a volta em direção ao rio, ele acendeu um cigarro e baforou contra a luz uma fumaça grossa. Assim, ele tomou, a pé, a rue Saint-Lazare. A temperatura forçou-me a levantar a gola do capote. Por duas quadras eu o segui, um tanto atrás, às vezes incomodado por seus passos lentos demais, de quem, ao que parecia, ainda precisava se decidir por algo. Eu já sabia bem o que queria: uma meia-dúzia de caramujos e o telefone da tal da Magra, na Suíça. Ou contaria tudo o que tinha ouvido à polícia. Que sorte! Com a crise, eu já estava decidido a desistir da Europa e voltar para São Paulo! Dois anos enfiado embaixo da terra, como uma toupeira tocando nos túneis do metrô. E nada. O hotel ficava em frente à gare Saint-Lazare, no bairro da Ópera, e eu caminhava devagar para evitar produzir a cada passo qualquer barulho. No que percebi para onde ia, apressei-me. Ainda ouvi o rangido da porta de vidro se fechando antes de ele chegar ao balcão. Evitei que ela batesse e no momento em que ele pegava a chave, toquei-o no ombro... Ele virou-se gelado como se visse um fantasma. (Jéferson Assumção)

Nenhum comentário:

Postar um comentário