domingo, 28 de outubro de 2012

Auto-retrato com neve

Fiz a lápis o esboço da minha cabeça, até resultar um homem de cabelos ralos e com barba apenas no queixo, de olhos arregalados e cheio de bolsas, como os de um cavalo. A boca eu representei levemente aberta. Pareceu uma foto em que os movimentos são congelados sempre antes ou depois do tempo. Quis evitar a ilusão da boca fechada, a mentira da boca fechada. Depois, fui escondendo este mesmo esboço aos poucos com um óleo grosso, em pinceladas que ora me desfiguravam, ora traziam os pelos de uma orelha ou uma ruga da testa para a tela. Optei por um branco pálido e levemente bege em alguns pontos da face, a sugerir a cor da pele pouco exposta ao sol. Dei expressão às rugas abaixo dos lábios com mais força do que a todos os outros traços, porque queria que resultassem graves, ou desenhadas pelo escândalo. Atrás de mim fiz surgir um campo com um caminho curvo e galhos secos brotando da neve. Ao pintar, eu tinha medo que um deles se enfiasse em meu rosto. E por isso, eu já ia usar as mãos para proteger-me, antes que a cerda do pincel se cravasse torta no olho esquerdo. A pele do rosto encrespou-se de calor por causa de uma tinta grossa a correr-me pelo queixo até a barba. Senti vergonha e tentei, em vão, que os pingos vermelhos não sujassem a neve. A cada pincelada parecia menos eu, mas era mais eu.

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